1976 Itaquera - São PauloQuando não havia poluição, e nem se tinha ideia do que seria aquecimento global. O homem ainda era humano, e a sociedade conversava diretamente. As pessoas tinham mais sonho e mais esperança, mais respeito, e mais educação, mesmo não tendo educação escolar.

Esta é São Paulo, uma cidade que morreu. Não que tenha acabado, mas aquela cidade que havia, a cultura final, dos "Bença vó" ou "Bença vô", não se ouvem mais.

Cidade de jogar "burca", para quem não sabe, jogar bolinha de gude. São Paulo cidade cheia de bananeiras, cheia de xuxuzeiros, pés de milho, cana, aboboras com flores lindas e amareladas, pitangas, amoras, coquinhos, e tantas outras.

Acordando com o galo a cantar e o trem a passar. O sol quando aparecia era de um vermelho lindo, que dava para olhar, mas rapidamente sua luz fortalecia e machucava minhas vistas. Sempre meus olhos eram sensíveis a luz do sol.

Felicidade era meu nome, não uma felicidade de crianças agitadas e bagunceiras, mas sim uma felicidade pura, um sorriso simples, um amor pela natureza e pela felicidade das pessoas. As pessoas eram mais humanas, a tecnologia não havia destruído a humanidade das pessoas, ora o que era tecnologia? Um radinho? Uma vitrola? Aparelhos que eram considerados alta tecnologia. Mas o que era importante era a humanidade, o respeito, a educação entre as pessoas. Ouvia-se o silêncio, em meio a cantar de pássaros, e poucas vezes o latir de um cão. Palavrões? Brigas? Musicas indecentes? Jamais, o ambiente geral era o considerado ambiente família. Se havia uma música, era uma ou outra pessoa cantando músicas de fundo romântico, com um sorriso nos lábios, e pronto para dizer um feliz "oi", ou "bom dia", para qualquer um.

Poucas pessoas tinham dinheiro para comprar televisão, e as pessoas ficavam na rua a dar "um dedinho de proza", que durava horas, e horas e horas. Na mesa de casa, a família se reunia, eu criança não conhecia as coisas da vida, mas a mesa, meus tios, meu pai, minha mãe conversavam da vida e das coisas que aconteciam. Essa era minha verdadeira escola, pois educação não é a colocação de informações em algo ou alguém, pois se assim fosse meu computador é extremamente educado. Mas educação é viver, viver momentos de alegria pura, desvinculado da imaginação pervertida do pensamento atual.

Naquela mesa, com os parentes e amigos, aprendi sobre dignidade, respeito, amor, compreensão, e muitas regras para ser feliz, como não necessitar da enganação das riquezas, pois a verdadeira riqueza esta dentro e não fora. Mas hoje considera-se que a felicidade vem de fora, gerando depressão e stress.

Vivo em meio a tecnologia, estudo tecnologia, sonho ciência, estudo conceitos. As pessoas podem ver em mim e achar que sou produto da tecnologia, pois ao contrário do natural, sou mais tecnológico que os mais jovens. 

Mas acrescento, que na verdade, sou aquele menino simples que observa a natureza, que conversa consigo mesmo para ver a verdadeira direção da vida, que independe da tecnologia, se a humanidade fosse pura. Mas aquela sociedade morreu, dando lugar a esta sociedade, e nesta sociedade, não vejo a pureza e simplicidade daquela que eu estava vendo o seu final. Com pesar observava a virada de uma nova era, uma era em que o prazer é mais importante que o caráter, em que a dignidade e o respeito são considerados chatice, e a vulgaridade é elogiada. 

E nesta sociedade atual, me tornei como a garoa de São Paulo, que todo dia de madrugada caia sobre todo o lugar, deixando gotículas de água sobre tudo, e que eu gostava de passar o dedo e fazer desenhos, aquela garoa era a simplicidade de outrora, a pureza que descia sobre São Paulo, uma garoa que já não existe mais, assim como aquela pureza natural que não existia apenas na natureza, mas também no coração dos homens, quando ela foi deixando de existir, eu fui aprendendo que a tecnologia e a ciência, quando desvinculado da imoralidade humana, estão ligados a pureza da natureza, e a lógica do universo.

Assim se a sociedade simples e pura deixou de existir como a garoa, as leis da natureza ainda existem, com sua forma perfeita e imutável, livre de hipocrisias e falsidade. Assim não deixei de ser uma pessoa que ama a natureza, e sim busquei a natureza de uma forma que poucas pessoas conseguem ver.

 
     
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